Aparentemente o Sr. João Silva refere-se ao conteúdo da minha mensagem do passado dia 23. Fica a resposta. (...) Infelizmente parece que terei de traduzir as questões que levantei.
Realmente existe propaganda. Pura e simples. Não só pelo modo como a notícia foi apresentada na RTP, mas também pela própria medida. E é a DESMONTAGEM da própria medida, que foi adiantada através de questões, que o Sr. João Silva não entendeu.
Segue a tradução:
As questões que coloquei na mensagem de dia 23 servem unicamente para mostrar que a medida "inovadora" do Governo não só não é inovadora como tão pouco terá sido pensada.
NÃO É INOVADORA:
Repare-se que este tipo de ideia surgiu para os países sub-desenvolvidos, pelo que, é a sua aplicação em Portugal que se torna a PROVA do nosso real estado de desenvolvimento e de mentalidade. Não é, pois, o nível da crítica a fazer prova.
Esta ideia não é, portanto, inovadora. É descabida.
NÃO FOI PENSADA:
Se fosse uma medida realmente pensada, e não pura manobra de propaganda, teria sido equacionada a alternativa muito mais RACIONAL, e esta sim «AVANÇADA», de fazer o INVESTIMENTO nas próprias ESCOLAS!!!
Ou seja, qual é a vantagem de ter miúdos de 6 a 10 anos com portáteis em casa, por oposição a ter esses mesmos computadores nas escolas? Ou será que em 2009/10 vão distribuir mais Magalhães aos novos alunos do 1º ano? E em 2010/11? 2011/12?...
Não teria feito mais sentido investir em MENOS, mas MELHORES sistemas de informação nas ESCOLAS?
Não seria até um INCENTIVO para que as crianças GOSTEM de ir à ESCOLA, em lugar de um incentivo a que fiquem em casa a jogar no computador?
Não faria da ESCOLA um lugar mais ATRAENTE, até para os TEMPOS LIVRES?
Não evitaria o USO INDEVIDO dos computadores pelos "manos e papás dos meninos"? Não evitaria roubos? Riscos de contactos com pedófilos? Nem tão pouco se colocaria a questão de ser disco rígido ou SolidState.
Ou seja, de os computadores ainda existirem / funcionarem quando chegar o final do ano lectivo.
Resumindo:
Ter crianças de 6 anos com Magalhães, e escolas sem equipamentos de informática, é vencer o atraso? Para mim, é prova de mentalidade do país pequeno, retrógrado, eleitoralista e CORRUPTO que temos.
O Sr. João Silva sabe como funciona um SOFTWARE DE CONTROLO PARENTAL? Tenho dúvidas que saiba. Porque se soubesse estaria CIENTE da NECESSIDADE de acompanhamento. O software de controlo parental é uma mera ferramenta, e para ser eficaz necessita de parametrização e monitorização constante.
Tem de haver alguém que decida o que pode ser acedido e o que não pode.
Quantos pais destes alunos têm conhecimentos suficientes para garantir esta correcta parametrização? 1%? Menos?
O Sr. Carlos Pinto da INTEL que foi ao noticiário da RTP, disse qualquer coisa como «(...) o Ministério da Educação também sabe a password (...)». Ou seja, parece que existe uma ÚNICA (!!!) password, leia-se IDÊNTICA, que permite o acesso privilegiado ao Magalhães. Fica outra questão:
Quanto tempo demorará um dos miúdos a saber essa password? E quanto tempo demorará o miúdo a contar aos outros todos?
TELEJORNAL - RTP - 23/9/2008 (aos 7 minutos)
Já agora:
JORNAL DA TARDE - RTP - 23/9/2008 (aos 12 minutos)
O Magalhães com acesso a conteúdos para adultos:
JORNAL DA NOITE - SIC - 23/9/2008 (aos 14 minutos da 2ª parte)
Eu tive o meu primeiro computador em 1982, quando tinha 14 anos. Durante mais de uma década não tive acesso à Internet. Ainda assim...
O meu rendimento escolar diminuiu. Cheguei a ficar TODAS as férias de Verão (3 meses?) sem sair de casa, sempre agarrado aos computadores.
Nem foi por falta de informação, que hoje é acessível pela Internet, que deixei de conseguir fazer cópias dos jogos, que deixei de crackar software que adultos não conseguiram, nem que me impediu de usar exploits no sistema UNIX da universidade. Tudo isto antes de haver Internet.
Não menosprezem as capacidades dos miúdos. Quanto mais novo maior a capacidade de aprendizagem. Como se não bastasse, as crianças têm duas vantagens adicionais: CURIOSIDADE e TEMPO!
É realmente da MAIOR IMPORTÂNCIA dar às crianças o ACESSO a este tipo de ferramentas. Mas dar o acesso não é o mesmo que lhes dar a POSSE das mesmas ferramentas.
Eu até posso deixar uma criança brincar com uma chave-de-fendas. Mas com supervisão. Oferecer uma chave-de-fendas a uma criança, e deixá-la sem sozinha, é meio caminho para um acidente com uma tomada eléctrica.
Dar um computador a uma criança é o mesmo que lhe dar um isqueiro.
A propósito de computadores e fogo... as baterias explosivas:
«Intel's Dream: One Exploding Classmate PC Per Child»
Para concluir, o atraso que temos em Portugal não é por falta de medidas inovadoras, é por falta de PLANEAMENTO, dessas ideias. Levar computadores até às crianças é boa ideia. Não se PENSOU foi em COMO fazer do MELHOR modo (para as crianças, entenda-se). Um exemplo que salta à vista?
CARJACKING! Existe porque adoptaram-se soluções tecnológicas para impedir que o carro funcione sem chave. Não se pensou nas consequências...
Quem diz Magalhães, diz Aeroporto da Ota, diz chips nas matrículas, diz... todas as outras coisas "muito bem pensadas"...
Lamento que a tradução tenha sido necessária. Espero não ter de traduzir as novas questões levantadas. Sim, porque eu acredito em discutir os assuntos com o levantamento de questões. Não me arrogo a dar respostas.
Essas serão dadas por cada um, perante os factos e argumentos que forem avançados no debate dessas mesmas questões.
Enviado para o ABRUPTO, e publicado a 25/09/2008:
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